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quarta-feira, 30 de junho de 2010



         VOANDO DA SALA PARA O PALCO



                  Mini textos para teatro



Essa coletânea nasceu de pequenos textos escritos para desenvolver em sala de aula. Experiências teatrais realizadas em algumas das escolas que já trabalhei. Classifico como textos para exercícios, regionalistas, simbolistas ou como vocês queiram classificar. A minha verdadeira intenção é de reunir alguns desses trabalhos e poder compartilhar com os meus amigos, textos que um dia utilizei como prática escolar. Escrever é uma arte que traça linhas não viajadas, que nunca pisamos ou navegamos, mas conhecemos em outras leituras, linguagens, em contações ou outras vertentes artísticas.

ESCREVER

Nessa seqüência alguns textos foram deixados para trás em uma classificação aleatória onde mesclar era a ordem. Acredito verdadeiramente no que escrevo, em cada historia, cada personagem, nos espaços em que vivem e o que querem dizer, ou dizem diretamente. Esse é o mundo de cada autor, acredito, e escrever é uma eterna terapia para mim; prazeroso, degustável, apaixonante. Secretos mundos cheios de simples histórias, mas de uma força fenomenal.

ACREDITAR! ESSA É A MINHA LEI.










                        DEDICATÓRIA                            



-Dedico essa coletânea composta por mini textos para teatro a todas as Escolas em que trabalhei e que me receberam com muito carinho me proporcionando os viáveis meios para essa louca e eterna viagem.


-Para Isaura, a eterna mulher da minha vida.


-E pra você, há quem muito agradeço e que agora está comigo.








                            O AUTOR                                

Juscio Marcelino de Oliveira, filho da macaibense Maria Isaura Alves do Nascimento e do são-gonçalense José Marcelino de Oliveira. Quase nascia em um jipe (taxi em Macaíba na época), no dia 29 de maio de 1963, em uma tardinha enluarada, em Natal. Nasceu e morou por mais de um ano na capital do RN onde em seguida veio morar em Macaíba onde até hoje reside. A arte sempre foi o fio transformador da família humilde e feliz. Família religiosa cristã praticante. Mãe educadora e pai armador na construção civil. A veia artística da professora Isaura foi umas das grandes heranças que ela deixou para os seus três filhos. O Segundo filho, Juscio sempre foi muito CURIOSO, arteiro como dizia a sua avó Chiquinha. Encontrou-se com o teatro quando iniciou o fundamental menor na escola estadual Profº Paulo Nobre através dos seus amigos de sala que faziam drama sacro na igreja matriz Nossa Srª da Conceição sob a direção de Isabel Cruz (Madrinha Beleza). Com o falecimento de Isabel, Juscio cria o seu primeiro grupo de teatro; o GRUTEJAM (Grupo Teatral de Jovens Amadores de Macaíba) com sede na Igreja Matriz, que hoje o GRUTEJAM deixa de ser grupo e passa a Companhia Teatral BOITATÁ. Nos anos oitenta criou a ASTMA (Associação Teatral de Macaíba) onde existiam 16 grupos de teatro em Macaíba. Participou da FETERN (Federação Teatral do RN) e CONFENATA (Confederação Nacional de Teatro Amador) e criou o FESTIM (Festival Infantil de Macaíba) elevando Macaíba ao título de planeta teatro. Com textos montados por alguns grupos de teatro desse Brasil, ele escreve desde criança. Conheceu as artes plásticas através do teatro nas produções de cenário e se apaixonou. Hoje se considera artista plástico, dedicado a experimentações, composições e afins. Esse transformador do existente é um verdadeiro garimpeiro de ideias.



“Capar o gato”






Componentes:


Fábio


Maria


Tonho


Fifia










FÁBIO: O meu pai quando vivo que Deus o tenha em um bom lugar, era vaqueiro de uma fazenda chamada Milharada. Hoje essa dita fazenda se transformou em uma comunidade de São Gonçalo, cidade que faz parte da grande Natal. Sem perder o foco da prosa, nessa dita fazenda existia um agrônomo que gavava muito o meu pai como um excelente profissional e daí, quando nasceu o primeiro rebento do meu pai, que sou eu, ele fez uma homenagem ao amigo agrônomo colocando o nome dele. E quem ia me visitar recém nascido a minha mãe estufava o peito e dizia que eu tinha nome de gente importante, letrado e que se Deus quisesse eu ia ser igual; um doutor. Pois aqui estou; doutor Fábio da Silva!


MARIA: E que mau eu lhe pergunte, e o moço não venha se encafifar; o senhor é doutor de que?


TONHO: Pelos trajes, ele deve ser doutor de curar frieira, carrapato, bicheira, tosse de burro mulo, maleita, olhado, tizica, ventre caído...


FIFIA: E da tua besteira, seu cabra grosso! Será que tu num ta vendo que com esse charme todo que ele tem, só deve ser doutor dos galanteios das coisas especiais, que deixa qualquer donzela, assim como eu, toda molinha, de perna bamba, e com os boticos dos olhos todos reviradinhos. Ai, doutor, o senhor me deixou toda, toda.


MARIA: Tome tento, dona Fia, antes que esses seus boticos não ficarem pustemados com uma catembada que eu lhe der no meio do seu quengo! Tas vendo carrapato com tosse é? Passe pra a louça e não me tire mais a terreiro que hoje num to pra brincadeira.


FIFIA: Mas mãe!


MARIA: Passe, sua cabrita!


CHICO: O senhor é estudado de verdade ou ta com enrolação pra cima de nós que somos da roça?


TONHO: Não somo letrado, mas braço forte nós temo pra te botar dos quintos dos infernos pra dentro se tiver zoando com a nossa cara.


MARIA: Calma, homem, também num precisa de tanta grosseria com o moço.


FIFIA: Muito bem, mãe!


MARIA: Calada!


FIFIA: Ai! Não posso nem falar? Mas que ele é um gato, isso ele é! 

MARIA: Fifia!


CHICO: Tu ta se bandeando pro lado desse cabrito aí, é Maria? Ta igual a nossa fia?


FIFIA: E a quem o senhor acha que eu puxei painho?


MARIA: Deixe de suas franganhagens e continue calada na sua louça.


TONHO: Mas, afinal de contas, que tipo de doutor o senhor é?


FIFIA: To sentindo uma pontadinha bem aqui, pertinho do meu coração. Dá uma olhada aqui, doutor. To ficando toda, toda.


TONHO: Se enxerge Fia. E agora o seu coração passou pro lado direito foi, sua cabrita?


CHICO: Quando eu lhe quebrar a cara, junto a sua com a da sua mãe.


MARIA: Agora pronto! Vai sobrar pra mim é, Chico? Será que tudo de ruim que acontece nessa casa a culpada sou eu?


CHICO: E vai ser quem, Maria? Porventura sou eu o responsável pelo desmantelo dessa menina? Logo eu que passo o dia trabalhando, dando um duro danado pra trazer o sustento pra dentro de casa e você ainda tem a coragem de botar queixo duro pra cima de mim? Agora vai me afrontar, é Maria?


MARIA: E tu acha que fico de perna pro ar, arejando o seu parque de diversão e deixo o mundo a minha volta se acabar é Chico? Tas variando, é homem?


FIFIA: Chega! Chega de tanta briga meu Deus! Vocês me envergonham na frente do doutor Fabinho. Meu Deus, a tontura da decepção está chegando a todo o meu corpo, deixando as minhas pernas molinhas, me deixando meia toda, toda e acho que vou desmaiar...


MARIA: Ta vendo Chico o que você fez a nossa fia! Segura ela, homem! Será que tu num ta vendo que a bichinha vai cair!


FIFIA: Não! O senhor, não. Será que não ta vendo que é por causa do senhor que estou ficando assim.


CHICO: Eu que sou o culpado?


TONHO: Deixa Chico que eu seguro a sua fia.


FIFIA: Sai! Vá pra longe de mim! Se encostar um dedo sequer eu te denuncio ao conselho tutelar. Sai!


TONHO: Pisa sua ingrata. Eu só tava querendo ajudar.


MARIA: Mas fia, a mãe sofre de gota e não pode com você. Quem irá te segurar meu Deus?


FIFIA: Só sobrou o doutor. Ai, doutor, já to ficando toda, toda.


FÁBIO: E porque a moça não caminha até a cadeira e desmaia sentada?


FIFIA: Qualé, doutor, num gosta de mulher, não?!


FÁBIO: E o que é que tem a ver uma coisa com a outra?


TONHO: Um doutor frutinha? Vi tudo. Vamo gente botar o santo pra subir que o despacho num prestou.


FÁBIO: Não é isso. Gosto muito de mulher, mas é que...


MARIA: Tu ta rejeitando a nossa fia, seu cabra?


CHICO: Fala logo que tu num gosta de mulher, seu mulo!


TONHO: Os cabras mulo aqui da redondeza nós capa tudo!


FÁBIO: Calma pessoal!


MARIA: Num chora, fia!


FIFIA: Ele ta me traumatizando, mãe! To ficando meio doidinha com esse desprezo, esse descaso. Arranjem um advogado pra eu processar esse doutor.


TONHO: E isso é doença, fia?


CHICO: Que doença, mulher, a nossa fia ta querendo um advogado pra lascar de ponta a ponta esse doutorzinho de meia pataca.


FIFIA: É. Quer dizer, eu acho que é.


MARIA: Pois obrigue ele tratar da nossa fia agora, Chico! Num é doutor, entonse, que cuide da pobrezinha que ta trau num sei o que. Agora!


FÁBIO: Mas eu não sou médico!


TONHO: Num é médico?

CHICO: É num era doutô,  e agora já é médico? 

TONHO:Pelo que tô vendo ele não é nada! 

CHICO: Num passa de um pé rapado iguá a nosso povo, é Tonho?

MARIA:Que derrota meu Deus! Minha fia, a bichinha doida pra sarar e esse burro mulo nem pra relinchar presta! Que desgosto! Que tristeza no meu coração! 


FIFIA: Ai! To mais traumatizada, ainda. Acho que vou morrer por causa disso! Já to ficando toda, toda.


CHICO: Homem nenhum vai matar a nossa fia desse jeito!


TONHO: Antes eu o capo!

MARIA: E com o trocinho que o Tonho arrancar eu faço um escaldadinho e dou pro gato comer.

TONHO: E eu capo mermo! 

FÁBIO: Auto lá! 

CHICO: Auto lá o que  seu cabra safado...

MARIA: Seu mecretefe!

CHICO: A nossa menina moça  quase morrendo. ..

MARIA: Quase desmaiada...

TONHO: E eu amolando a faça. 


FÁBIO: Ela vai desmaiar ou morrer?


MARIA: Sim, fia?


CHICO: É o moço tem razão. Qual vai ser primeiro?


FIFIA: Claro que primeiro eu desmaio, torno e se realmente com o bonitão, então um tempo depois eu morro.


CHICO: Pronto, ta explicado.


TONHO: E tu inda diz que num é doutor!


MARIA: E aí, seu titica, casa ou num casa?


FÁBIO: Casar?


FIFIA: Mãe! A senhora tá estragando tudo!


FÁBIO: Espere aí, dona.


FIFIA: Fedeu.


FÁBIO: Toda essa confusão começou por questionar se eu era ou não doutor, médico ou sei lá das quantas e não me deixavam falar até iniciarem com essa cena patética de desmaio e vem à senhora com essa de casar. Ou eu to entendendo errado ou vocês querem me dar um golpe; casando-me com essa daí.

FIFIA: Papai! Ele ta me ofendendo.


MARIA: Num chora, fia.


CHICO: O que é que o cabrinha ta querendo dizer com isso? Será que tu num tá vendo o tamanho do estrago que tu fez na vida da minha fia?

MARIA: E na nossa também, né Chico? Preste atenção nesse detalhe, nesse agravamento familiar.


TONHO: E eu só aqui na manha amolada faça,  só  esperando a hora de capar bandido.


FIFIA: Vou desmaiar! Ai!


MARIA: Pare de afranganhagem que o teu pai vai resolver de outro modo.

TONHO: Se o teu pai não resolver do modo dele, Fifia, eu resolvo do meu.

MARIA: Amole a pecheira, Tonho que pelo que tô vendo hoje tem mistura pra o pichano.

TONHO: Deixe comigo, dona Maria! Tô só amolando a bichinha, chega tá reluzindo.


FÁBIO: O que eu estou dizendo é que vocês estão querendo dar um belo de um golpe, e isso está claro até demais. 


CHICO: O que é que você ta dizendo, seu cabritinho dos quintos dos infernos? Repita!


TONHO: Eu capo agora, dona Maria?


MARIA: Deixa de ser frouxo, Chico! Resolva logo de uma vez! Tu tá vendo o Tonho aqui se lambendo pra capar esse cabra!

TONHO: Só na espreita, viu seu Chico! É só  falar!


FIFIA: É por isso que num quero desposar o Tonho, mãe. 

FÁBIO:Vocês estão provocando uma tremenda confusão ao ponto de me deixar tão enrolado que quando eu prestar atenção, já estarei amarrado pelo juiz e pelo padre. Pensam que eu sou besta, é? Pra cima de mim não. Quando vocês vinham com os cajus eu já assava as castanhas. Das três uma; ou vocês são  loucos, ou é uma  pegadinha ou eu estou dormindo e tendo um dos piores pesadelos.


TONHO: Chico...


CHICO: Sai de perto de mim, seu agouro dos infernos! Diacho


FÁBIO: E vocês que ficam, passem muito bem que já me demorei por demais por aqui.


CHICO: Você pensa que aqui num tem homem macho, não, é seu cabrito?


FÁBIO: E eu duvidei disso?


CHICO: E tu pensas que nós por ser pobre num sabe das leis, é?


MARIA: Se pensa assim, pois tas muito enganado.


FLÁVIO: Eu não encostei um dedo na sua filha. Assim, eu não lhe devo nada.


CHICO: Ri aí por mim, Maria, pra eu num estragar a minha brabeza. Tu num deflorou, mas colocou uma dúvida a nossa moral, honestidade e dignidade.


FIFIA: E a minha virgindade e depressão, pai! Vou ficar falada, é?


TONHO: Rasga!


MARIA: Parece que tá dando certo?


FIFIA: Corre Tonho e chama o padre Pedro. Vai, homem!


FLÁVIO: Para Tonho.


TONHO: Cume, Chico? Vou ou fico?


CHICO: E tu ia pra onde, Tonho, se não tem mais ninguém pra entrar na história?


TONHO: Pensei na cozinheira. Ia lá chamar ela. Vou?


MARIA: Chata do jeito que ela é. Nunca que viria.


TONHO: Então vamos parar doutora?


FLÁVIO: Doutora?


FIFIA: Eu tava achando tão boa a terapia de hoje.


FLÁVIO: Terapia? Mas o que significa isso!


CHICO: Quer dizer que o moço não sabia que aqui é uma clinica de tratar pacientes com distúrbios mentais?


FLÁVIO: Claro que sim, mas é que eu estou acompanhando um amigo para uma consulta e me mandaram esperá-lo aqui... Então...


MARIA: Isso mesmo, Flávio, essa terapia foi para você.


FLÁVIO: Pra mim? Porque pra mim?


MARIA: O problema do seu amigo é o relacionamento dele com a noiva e o seu é o de ta interferindo no problema dele. Causa e efeito.


FLÁVIO: Sim. Quer dizer que... Agora ficou tudo muito claro pra mim.


MARIA: O seu amigo realmente está muito confuso, criando problemas aonde não tem e você contribui muito para isso. É o melhor amigo dele, mas para tudo existem limites e você sufoca o seu amigo.


FLÁVIO: Realmente. Agora é que posso compreender. Em vez de ajudar, eu confundia a cabeça dele mais ainda. Ele não tem família e é como se fosse um irmão pra mim.

CHICO: E toda essa pressão que  aconteceu aqui com você. ..

FLÁVIO: É o que  eu faço com ele. Caramba,  ficou tudo muito claro agora.


MARIA: Meu nome é Maria das Neves e sou psiquiatra.


CHICO: Sou o arte terapeuta. Clara.


TONHO: Farmacêutico. Rodrigues. 


FIFIA: Eu realmente sou uma paciente e Fifia é mesmola o meu nome.


FLÁVIO: Muito prazer.


MARIA: Agora vamos conhecer a psicóloga. Ela é quem vai orientá-lo.


FLÁVIO: Valeu gente! Poxa, vocês realmente são artistas. Convenceram-me de verdade. Estão se perdendo aqui. Muito bom mesmo!


MARIA: Vamos, Flávio.


FLÁVIO: Vamos doutora. Até mais, pessoal!


FIFIA: Ele é um gatinho.


CHICO: Menos Fifia. Vamos pessoal para a nossa segunda terapia. Os pacientes já estão esperando na sala dois.


FIFIA: Adoro pintar!


CHICO: Então vamos!






Juscio Marcelino 


12 de agosto de 2009


MINI TEXTO PARA TEATRO




              “Perfumando a sua historia”                  

Dedicado a Dudal e Djalma, duas figuras macaibenses que se tornaram ícones no seu tempo.



PERSONAGENS






CONTADOR


JAQUELINE


CIDA










CONTADOR: É com muita alegria, daquelas alegrias reluzentes que eu vou falar de dois cabras machos e valentes que nessa cidade implantou o ta do diferente. Quebraram todas as normas e lei num tinha valia, eram como se nadassem contra uma forte correnteza. Nessa cidade Cuma em tudo o que é lugar, as regras são pra ser cumpridas e desobediência nesse meio de mundo não tem lugar. Lei é pra ser cumprida e ai daquele que desafiar. Quando o sol quilariava os dois se recolhiam, mas quando a lua despontava com todo o seu esplendor os dois apareciam quebrando a rotina dessa cidade dormitório que de novidade já se fazia séculos que não se aparecia. Isso era na época que o pax club, lugar de diversão bom de se danar, regulava toda a cidade, classificando o povo sociar, dizendo quem era e quem não era, comandado por uma rosinha do lugar. Mas deixando de trololó, voltando à prosa iniciar, continuando a falar dos dois caboclos que lá na Rua da Esperança viviam a morar.


JAQUELINE: Para tudo! O senhor falou Rua da Esperança?! Já não quero saber mais. Chega pra mim!


CIDA: O que foi minha amiga?


JAQUELINE: Você sabe que a Rua do Cruzeiro é a rua da fofoca, a Rua do Vintém é a rua da catinga e a Rua da Esperança vocês sabem muito bem do que é. E vamos mudar o rumo dessa conversa para falar de coisas mais interessantes; como perfume charisma, calças bocas de sino, sapatos cavalo de aço que é o top da moda e os garotões lindos da escola agrícola de Jundiaí. Ai! É tudo de bom! Não vejo à hora chegar domingo para euzinha ir à matinê do clube. E você com certeza irá comigo não é Aparecida?

CIDA: Não sei Jaqueline, e pode me chamar de Cida que eu gosto.


JAQUELINE: E eu detesto apelido, não suporto e vamos parar com essa história de Cida, Cidinha e Cidoca. Conhece aquela que diz assim; todo Francisco é Chico e todo Chico é macaco? Detesto! Imagine meu pai que se chama Francisco, então eu tenho que ser a macaca Chita? Jamais, em toda a sua vida, enquanto vida você tiver não pronuncie um apelido sequer, por favor.


CONTADOR: Quer dizer que a mocinha não quer que eu continue contando a historia?


JAQUELINE: Pra início de conversa eu não sou a mocinha, eu não sou a baixinha e também não sou a loirinha ou qualquer outro adjetivo, porque eu fui registrada e tenho nome e sobrenome.


CIDA: O que é isso Jaqueline?


JAQUELINE: O meu nome é Jaqueline e o meu sobrenome é Alcântara de Albuquerque Bisneta. Quanto ao meu sobrenome, o senhor já percebeu que sou de uma linhagem política desse município que com certeza eu serei a futura representante.


CONTADOR: E a senhorita Jaqueline pensa em ser política com essa impetulância toda?


JAQUELINE: Bobinho. O dinheiro paga tudo. Porque será que o senhor vota na minha família até hoje? Difícil a resposta? Claro que não. Pois fale com emoção e gratidão o porquê o senhor vota em minha família.


CONTADOR: Voto porque o seu avô é um homem santo, bom demais pra mim e minha família. Os favores que devo a ele nem ralado no cimento carrapichento eu pagarei.


JAQUELINE: se o meu avô mandar o senhor votar em qualquer pessoa o senhor vota?


CONTADOR: De olho fechado e num precisa nem ver a cara do sujeito que ele mandou votar. Uma ordem dele é lei pra mim.


JAQUELINE: Olhe aí o que eu disse. Pois se considere votando em mim para prefeita. Serei a mais jovem prefeita eleita nesse estado.


CIDA: Estou besta com a aula que acabei de assistir. A força que o dinheiro tem e a força do poder político.


JAQUELINE: Anote aí, Aparecida o que tanto dinheiro pode comprar; comece com a consciência, depois perfumes e segue comprando caráter e de quebra vem à moral e mais perfumes e sapatos e mais perfumes que amo de paixão. Olha Aparecida ao que vou dizer a você agora que é muito sério; perfume é fundamental na vida de qualquer mulher. Aprenda comigo. Sem perfume estou nua, não sei dar um passo sem me perfumar e olha que perfume e poder é uma tradição familiar, que está em todas as nossas gerações, quase incorporado em nosso DNA. Vôinho não é cheiroso, seu contador?


CONTADOR: E eu vou lá saber se o seu avô cheira ou não menina.


CIDA: O que é isso, Jaqueline?


JAQUELINE: Isso é lá pergunta que se faça pra um homem?


CONTADOR: Eu passaria o dia todo escutando você falar, mas como eu tenho muito que fazer e você já me dispensou, condenando o que eu tinha que contar antes mesmo da história ser apresentada por inteiro, então, vou até a sua mãe que me contratou pra agradecer e ir embora.


JAQUELINE: Não precisa ir dizer a mamãe porque ela está muito ocupada e tenho a absoluta certeza que ela não irá lhe atender.


CONTADOR: Mesmo assim, futura prefeita, eu vou lá. Passem bem e fiquem com Deus.


JAQUELINE: Espere. Se a mamãe pagou mesmo, então vamos escutar.


CIDA: E a cabeleireira que você marcou?


JAQUELINE: Aparecida minha amiga, você sabe muito bem que quaisquer uns dos dois salões dessa cidade vivem de portas abertas para Jaqueline Bisneta? Tanto Dorinha quanto Licinha me recebem a hora que eu marcar. Então, pare de questionamentos tolos.


CONTADOR: Quer dizer que eu posso contar? É isso?


JAQUELINE: fazer o que. Pode continuar a história desses dois matutos que moraram nessa cidade, não é mesmo?


CONTADOR: Que eles moraram nessa cidade isso é verdade, mas matutos, isso não. Na real, eles eram duas florzinhas.


CIDA: Cruz credo. E não eram dois machões? É verdade que é a mulher do capeta que rouba a alma do homem ainda criança inocente e se apodera do corpo das criancinhas inocentes. Meu santíssimo tenha piedade de todas as criancinhas que nascem na minha família.


JAQUELINE: Terminou, Aparecida? Menina você ta uma beata de carteirinha. E quanto ao senhor, porque não me disse logo que é sobre homem mulher? Eu morro de curiosidade. Nunca vi um mais morro de vontade de conhecer.


CIDA: E o filho do carteiro que a mulher do capeta se apoderou e deixou o menino brincando com bonecas.


JAQUELINE: Mas esse não conta. Deram uma surra de cipó de brocha no garoto e mandaram pra um seminário e de lá nunca mais saiu. Eu quero conhecer esses que dizem existir por aí.


CIDA: Até um tempo desses queimaram gente assim na fogueira pra poder acabar com a mulher do satanás e todos os homens neninos se banhavam com água benta, trancados na igreja em oração pra não serem possuídos.


JAQUELINE: Vou dizer uma coisa; se o senhor deixar, a beata Aparecida contará mais historias que o senhor. Para Aparecida! Agora silencio para o contador começar.


CONTADOR: Um era debochado, daqueles que não leva desaforo pra casa, enquanto o outro era sério, magro, alto e não dava pra conferir o que o povo dizia com eles.


JAQUELINE: Não arreda o pé, Aparecida. Ora que besteira essa sua. Será que essa sua religião não ensina o que é respeito humano, menina. Ou na realidade é você que é muito preconceituosa?


CIDA: Não consigo admitir em um homem querer ser mulher. Se eles soubessem a agonia quando aquilo chega todos os meses, fora a dor do parto, criar filhos, cuidar de marido e da casa.


JAQUELINE: Você está querendo dizer que ser mulher é a pior coisa que existe, é isso, Aparecida, ou estou entendendo mal?


CIDA: Não é bem isso.


JAQUELINE: Então você quer dizer que ser mulher é ser escrava do homem, não é isso?


CIDA: Não, porque essa é nossa obrigação. Deus nos mandou para esse mundo para isso mesmo.


JAQUELINE: Esse seu deus, sei não.


CONTADOR: Eles dois são os precursores da década de setenta, período esse que ser delicado era coisa para outro mundo.


CIDA: Vala-nos Deus!


CONTADOR: Então, como disse a Jaqueline; foi na Rua da esperança.


JAQUELINE: A famosa Rua da Esperança.


CONTADOR: Eles só poderiam colocar em pratica suas atividades prazerosas em esconderijos e pra eles dois, e o único lugar onde eles sentiam o gosto da liberdade era o gango da cidade, que na realidade era uma ilha no centro da cidade.


CIDA: Queimam senhor, todos que estão naquele lugar! Queima!


JAQUELINE: Pois o primeiro contato é o seu pai, Aparecida, que sua mãe com raiva do seu pai diz que ele não sai de dentro do gango.


CONTADOR: Eles pra irem ao gango teriam que cruzar toda a cidade.


CIDA: O gango é a morada do capeta.


JAQUELINE: É verdade que seu contador que lá no gango as mulheres andam só de roupa intima e os homens vivem a relinchar?


CIDA: Cruz credo, senhor!


CONTADOR: O que sei é que todas as tardinhas quando eles dois se dirigiam para o gango, eles eram insultados e apedrejados pela população. Já fazia parte da diversão dos que moravam no trajeto dos dois.


CIDA: Igual à Maria Madalena, a prostituta da Bíblia.


JAQUELINE: E que Jesus a perdôo e perguntou a multidão qual deles não tinham pecado e o que não tivesse que atirasse a primeira pedra.


CIDA: Meu deus. É mesmo.


CONTADOR: E é por isso que iniciei esse texto afirmando que eles eram macho sim senhor. É o cabra ser muito homem pra enfrentar toda uma cidade cheia de moral e maus costumes. Enfrentar um bando de gente que vendem uma imagem de santos e na realidade é todos muito dos pecadores.


CIDA: Mas na hora do julgamento divino não tem como se esconder. Deus vê tudo!


JAQUELINE: Eu é que não agüento mais esse atraso de cidade. Não vejo a hora de me tornar prefeita e transformar essa cidade uma referencia tecnológica.


CIDA: O que?


CONTADOR: Transformar em o que?


JAQUELINE: Uma cidade futurista. A prefeita mais jovem desse país trás o futuro para a sua cidade através da tecnologia.


CIDA: Tec o que, Jaqueline?


CONTADOR: Essa menina dar um banho em criatividade. Que mente fértil.


JAQUELINE: Como eu queria ver um televisor, imagem preto e branco, poder sentir o volume e ver as imagens como se tudo realmente acontecesse ali. Não precisar utilizar cartas para qualquer tipo de comunicação. Existiria o telefone sem fio que em qualquer parte do mundo e em qualquer lugar você se comunicaria com os seus. E o computador, internet, pen drive… Aí!!!!


CIDA: Desculpe amiga, mas foi necessário. Você estava surtando, dizendo umas coisas que nós não estávamos entendendo.


CONTADOR: Caramba. Essa foi demais prefeita. Imagino realmente como ficará essa cidade em sua administração. Até o nome acredito que você mudará.


JAQUELINE: Tenha certeza disso. Desculpem-me. Sempre sonho com uma cidade melhor e dessa vez me empolguei até demais.


CONTADOR: Quem já se viu se falar num aparelho sem fio, televisor e todas essas coisas que você saiu falando sem parar.


CIDA: Vamos voltar para a historia! E aí, seu contador, que rumo deu na vida deles dois? Morreram?


JAQUELINE: Aparecida!


CONTADOR: O mais alto dos dois ainda vive, mas o outro morreu muito jovem. Dizem que foi de doenças do mundo.


JAQUELINE: Se existissem modernos postos de saúde, onde os chamarei de PSFs e preservativos que vulgarmente serão conhecidos por preservativos, ele estaria ainda vivinho.


CIDA: Acho melhor o senhor colocar um fim nessa historia porque a minha amiga Jaqueline ainda não está recuperada do surto que teve.


JAQUELINE: Gente, eu não estou inventando nada.


CONTADOR: E nessa cidade de historias onde se mistura todas as tradições, se resgatando o tempo, aquele que não volta mais, e visando um futuro, aquele que nos satisfaz. Eu prefiro o presente que é o que eu vivo e contando historia eu sobrevivo, tirando o meu ganha pão e nisso eu sou capaz!


CIDA: Vamos jantar Jaqueline que já estou com fome.


CONTADOR: para prefeita, Jaqueline, aquela que irá perfumar a sua historia!


Juscio


Sábado, 15 de agosto de 2009.