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sexta-feira, 30 de setembro de 2011



AUTO


"UM ADRO AZUL PARA DEUS"







PERSONAGENS:

NARRADOR
ZEGIPE
MARIA CABRAL
PEDINTE
FILHO
FILHA
BIBI
CORAL DE CRIANÇAS
INVASOR 1
INVASOR 2
CHEFE DOS INVASORES
NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO

 
NARRADOR: E como uma adaga cravada no coração de Macaíba, na bacia dessa maravilhosa cidade, centenária, pulsante e feliz, é que foi construída com muita luta e dedicação essa imponente matriz, que veio coroar toda uma fé de um povo devoto, sofrido e talentoso, de filhos abençoados pela luz divina, pela luz do Criador, pelo seu filho Jesus Cristo e por sua sagrada Mãe que é pureza e amor, eternizado nessa cidade por essa majestosa construção; a Igreja de Nossa Senhora da Conceição! E salve a mais pura das puras, a virgem santíssima, a mãe piedosa! Salve Maria!


ZEJIPE: Céus! Vejam como a igreja é luz e anjos! Nunca em toda a minha vida eu tinha visto a matriz tão iluminada e enfeitada de anjinhos como agora. Tá linda! Louvado seja o nosso senhor Jesus cristo!


MARIA CABRAL: Para sempre seja louvado! O que tá acontecendo na matriz que ninguém me avisou? E já é natal?


ZEJIPE: Somos nós que estamos tendo uma visão celestial! Acho que tá chegando a nossa hora e Deus mandou nos buscar em sua carruagem de luz.


MARIZ CABRAL: Para tudo que eu quero descer!


ZEJIPE: É Deus, sua doida!


MARIA CABRAL: Eu sou Maria Cabral, muito prazer! Macaibense de nascença e banhada com as águas da raiz. Sou muito nova pra morrer. Se você tá querendo ir; adeus, mas eu ainda tenho muito para acontecer. Essa cidade ainda vai crescer muito, muitas coisas ainda irão acontecer, coisas que até Deus duvida e nada disso eu quero perder. Se você já está indo, entregando os pontos, então para tudo que eu quero descer!


ZEJIPE: E tu pensas que eu também vou por livre e espontânea vontade? Mas se ele ta chamando, nós não podemos fazer desfeita. Vamos embora com o rabinho entre as pernas e contando os pecados para prestar conta a São Pedro lá no portão celestial.


MARIA CABRAL: Tudo bem. Indignada mas eu vou, porém, antes eu tenho uma grande revelação a fazer.


ZEJIPE: Revelação? Numa hora dessas tu ainda quer fazer revelação? Quem és tu pra fazer alguma revelação e alguém se interessar? E deus tem muito mais o que fazer do que tá parando pra te escutar. Apressa o passo que o Homem é muito ocupado.


MARIA CABRAL: Ele espera que eu sei.


ZEJIPE: Maria, Num afronte o Homem! Desculpa meus anjinhos a Maria Cabral, pois ela não está dizendo por mal e deixa-a fazer essa revelação se for de importância para a sua salvação. Não levem essa doida em consideração.


NARRADOR: E naquele momento a igreja se fechou, guardando os anjos luzes e canções, deixando somente um foco de luz em uma pobre coitada que na calçada com os seus dois filhos mendigava.


ZEJIPE: Danou-se! Parece que Deus fechou as portas do céu em nossa cara? E nessa sua revelação, nós vamos ficar no escuro, é Maria Cabral?


MARIA CABRAL: E num é minha a revelação?


ZEJIPE: Deus vai nos castigar, Maria.


MARIA CABRAL: José, Deus é pai e não padrasto. Preste atenção que a minha revelação vai começar:


PEDINTE: Minha mãe misericordiosa, hoje me encontras aqui, na frente da nossa igreja, no mês da sua festa, rogando a vossa piedade e clemência, para essa mãe que vos fala, de uma mãe para outra mãe que já soube o que foi sofrer por seu filho, e nesse momento com o coração cheio de lágrimas, pedindo, implorando a vossa ajuda, que através de vossa intercessão toque no coração de um vivente dessa cidade para que tenha piedade não só de mim, mas dessas duas crianças frágeis e indefesas que não tem culpa de está aqui nesse mundo passando tanta fome, tanta privacidade. Bem sabes como sou doente e incapacitada de trabalhar e é por isso que aqui estou a pedir. Filha de Isabel, esposa de José, escolhida de Deus, é um coração de uma mãe desesperada que roga.


FILHO: Mãe tá vindo gente!


FILHA: Será que trazem alguma comida?


FILHO: São crianças cantando!


FILHA: Trazem comida?


BIBI: Se dividam em dois grupos crianças e vão para as suas posições! Rápido!


PEDINTE: Minha senhora tenha piedade dessas minhas crianças que desde ontem ainda não comeram nada.


ZEJIPE: Maria, você chegou a conhecer a Bibi? Quando ela chegou aqui em Macaíba, você nem existia mais.


MARIA CABRAL: E a revelação é de quem? De Maria Cabral que sou eu, que estou contando e misturo o tempo da forma que eu quiser.


BIBI: Meu nome é Emília, mas todos me conhecem por Bibi e sou catequista da igreja e irmã do padre da cidade. Moro ali, na casa paroquial e se a senhora aguardar um pouquinho enquanto ensaio com as crianças, iremos todos tomar uma deliciosa sopa lá em casa.


PEDINTE: Claro que esperamos bondosa senhora.


BIBI: Mais tarde nos encontraremos aqui, no adro da igreja. Fiquem com Deus.


ZEJIPE: Eu acho que vou deixar de engraxar e vou virar pedinte. É muito mais fácil.


MARIA CABRAL: Você é que pensa. Sobreviver é uma luta diária, principalmente para uma pedinte. Eles nunca sabem se vão comer amanhã.


ZEJIPE: Vê Maria Cabral, as pessoas estão passando e colocando moedinhas na Mao da senhora.


MARIA CABRAL: É a mão da Virgem ajudando aos seus. Ela não desampara ninguém.


ZEJIPE: Você tá é muito da sabida. Inté parece as beatas da igreja.


BIBI: Vamos crianças, corram pra casa que eu vou avisar ao padre!


PEDINTE: O que aconteceu, minha senhora?


BIBI: O mal se apossou da igreja e eu tenho que avisar ao padre! O tinhoso tá na casa do senhor!


PEDINTE: Mas minha senhora...


FILHA: E a sopa?


FILHO: E agora, o que iremos comer?


PEDINTE: Com o dinheinho que nos deram, vamos para os boinhos do mercado comer alguma coisa, mas antes vamos olhar o que na igreja aconteceu?


FILHA: deus nos livre mãe será que a senhora não escutou o que a dona saiu gritando?


É melhor a gente correr pra longe daqui.


PEDINTE: se tão com medo podem ficar aqui, pois eu to com deus e vou olhar com a proteção dele.


FILHA: Num fico só aqui nem a pau. Vou com a senhora também.


FILHO: E eu mais tigo, mana.


PEDINTE: Vamos nos benzer e entrar.


ZEJIPE: Vareite, Maria, que eu num to lembrado desse alvoroço na matriz, não senhora.


MARIA CABRAL: E nem podia, porque a gente já tinha morrido.


ZEJIPE: E como tu sabes disso tudo?


MARIA CABRAL: Só sei que eu sei.


ZEJIPE: E o que bexiga tinha dentro dessa igreja? Ave Maria, me desculpe minha Nossa Senhora pelo palavrão, mas é que eu to encafifado, doidinho pra saber o que aconteceu em vossa casa.


ZEJIPE: O sino tocando uma badalada! Será que é seu Adelino querendo avisar alguma coisa pra a cidade?


MARIA CABRAL: por que agora é ontem, quando tudo aconteceu.


ZEJIPE: Você agora me deixou todo atrapalhado.


MARIA CABRAL: A missa fazia tempo que já tinha terminado e a cidade era um silencio só. Todos os macaibenses dormiam o sono dos anjos, menos alguns arruaceiros, mau feitores, desordeiros que sorrateiramente invadiram a matriz pela janela da sacristia.


ZEJIPE: Pra rezar?


MARIA CABRAL: Meu bom José, como você é tolo.


ZEJIPE: Pode me chamar de Zé, Maria que já to acostumado e quanto ao tolo, num to entendendo.


MARIA CABRAL: Eles esperaram que a cidade dormisse para entrar na casa sagrada e fazerem a maior imundície, que nós seres devotos e respeitadores das leis de Deus não conseguimos nem imaginar.


ZEJIPE: Que safados! Se eu estivesse lá botava todos pra correr.


MARIA CABRAL: por erro do destino, nessa noite a pedinte e seus dois filhos estavam dormindo nos bandos da igreja.


ZEJIPE: Coitados! E os malfeitores pegaram eles?


MARIA CABRAL: Quando eles perceberam que eles estavam lá, a pedinte e os seus dois filhinhos já estavam na porta da igreja, prontos para fugir. Eles foram avançando pra cima deles e como um milagre, a pesada porta da igreja que estava fechada, sozinha se abriu.


ZEJIPE: E num é que abriu mesmo. Me arrepiei todinho.






PEDINTE: Pelo o amor de Deus, por favor, não nos faca mal! Só estávamos dormindo porque não tínhamos para onde ir.


FILHA: Meu Deus, mãinha, tá saindo deles por tudo o que é lado.


FILHO: Inté parece um bando de formiga. Espia, mãe que inté lá de cima vem saindo deles.


FILHA: Eu nunca vi, mas parece um bando de demônios.


PEDINTE: Por favor, não façam mal aos meus filhinhos, eles são inocentes! Meu zeloso guardador, se a ti me confiou à piedade divina, sempre nos rege, nos guarde e conserve, amem.


FILHO: Com Deus me deito e com Deus me levanto a piedosa graça de Deus e do divino Espírito Santo.


FILHO: Jesus, Maria e José, nossa alma vossa é.


ZEJIPE: Nunca vi a frente da igreja tão feia assim. Como é que homens, filhos do mesmo Deus, se transformam dessa maneira?


MARIA CABRAL: É porque eles não reconhecem Deus como o nosso único pai.


ZEJIPE: Olhe como eles dançam festivamente, Maria.


MARIA CABRAL: estou vendo José.


ZEJIPE: E você com essa sua inteligência, porque não faz alguma coisa por essa pobre família?


MARIA CABRAL: Tudo há seu tempo.


ZEJIPE: E vamos ficar de braços cruzados vendo esses monstros atacarem essa indefesa família?


MARIA CABRAL: Tudo há seu tempo.


INVASOR 1:Todos vocês quietos! Bando de arruaceiros vitoriosos!


INVASOR 2: Pergunto a todos vocês; quem manda nessa cidade?


TODOS INVASORES: Nós!


INVASOR 1: Não escutei!


TODOS INVASORES: Nós!!


INVASOR 1: Essa invasora em nosso meio, que irá nos deletar para essa falsa sociedade! Que irá nos entregar reconhecendo um a um para o delegado de nossa cidade.


INVASOR 2: Quem manda ela está no lugar errado e na hora errada? Quem manda esbarrar conosco? Quem manda ser miserável a ponto de não ter onde morar? Somos nós os culpados dela está aí dentro?


INVASOR 1: O que estamos esperando para realizar o seu julgamento?


TODOS: O nosso chefe!


INVASOR 2: Não escutei! Quem estamos esperando?


TODOS: O nosso chefe!


CHEFE DOS INVASORES: Sou eu!


INVASOR 1: O senhor tá comendo as bolachinhas brancas do padre, chefinho?


CHEFE DOS INVASORES: E o vinho dele também!


PEDINTE: Minha santa mãe de Deus!


CHEFE DOS INVASORES: É com ela que eu quero falar mesmo! Onde ela está? Onde se esconde que não estou vendo? Porque essa que você diz que é a toda poderosa não vem lhe salvar agora? Cadê a cara dela que eu não estou vendo? Segurem essa miserável pelos cabelos e arraste-a ate a porta dessa casa! Agora!.. Bata na porta e chame por ela agora sua miserável! Peça! Implore pra ela vim lhe salvar!.. Se adorar a mim daqui você sairá salva, mas se continuar a chamar e adorar quem não existe eu arrancarei a sua cabeça e desses seus dois fedelhos. Diga que me adora sua miserável!


FILHO: Pelo bem que a senhora quer a gente, mãezinha, diga logo pra que ele não nos mate! Por favor!


FILHA: Pelo o amor de Deus mãezinha, nos salve!


CHEFE DOS INVASORES: Pelo o amor de quem, sua fedelha? Pela minha piedade! A lei aqui nessa cidade sou eu! Estou marcando território primeiro aqui e depois todos os recantos dessa cidade! Eu sou deus!!!


INVASOR 1: Se ajoelhe sua miserável e adore o nosso deus!


PEDINTE: Deus só existe um, que é o Deus de Israel, de Abraão e de Isaac, que é o Deus que salva, que perdoa e que ama. Meu Deus é com D maiúsculo, é o Deus que envia o seu exemplo de filho para redimir todos os pecados da humanidade. O seu deus não será jamais o meu, mas o meu deus será um dia o seu em honra e glória. Se me matarem é porque chegou o meu dia e minha hora e eu irei feliz servir ao Senhor, mas sei que a minha protetora a virgem Maria, a concebida sem pecados não permitirá que dois inocentes fiquem órfãos e a perambular por esse mundo tão perigoso!


FILHA: Solta a minha mãe!


PEDINTE: Fujam meus filhos! Se salvem!


CHEFE DOS INVASORES: Cadê ela que não vem te salvar agora!


PEDINTE: Valei-me minha Virgem Santíssima! Minha Nossa Senhora da Conceição!


INVASOR 2: Chefe! Olha que clarão no céu!


FILHA: Vários anjos estão vindo do céu, mãezinha cantando em louvor! Glória a Deus!






MARIA CABRAL: Quando os desordeiros viram que a coisa ia esquentar para o lado deles, quiseram fugir, mas 20 policiais armados cercaram todo o bando.


ZEJIPE: Espera lá, Maria Cabral! Se a delegacia de Macaíba só tinha o delegado e três soldados, como é que de um nada você me aparece com 20? Essa historia está mal contada!


MARIA CABRAL: São os mistérios da multiplicação.


ZEJIPE: Ah!


MARIA CABRAL: E no desenrolar da historia, aconteceu a conversão, e todos os malvados conheceram em seus corações.


FILHO: Olha mãe aquela nuvem iluminada, nela tem uma santa! Que coisa linda meu Deus!


PEDINTE: louvado seja o nosso Deus Pai todo poderoso e Nossa Senhora da Conceição!


FILHA: É Nossa Senhora da Conceição!










- APARECE A VIRGEM MARIA EM TODO O SEU ESPLENDOR, SE CANTA O HINO DA PADROEIRA DA CIDADE E NO TERMINO DO HINO UM ANJO COROA A VIRGEM.






NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO: Que essa coroação sirva de aliança com o povo dessa cidade e a certeza que a fé remove qualquer empecilho de vossas vidas. Louvado seja o Nosso Senhor Jesus Cristo, meu único filho, aquele que Deus enviou para nos salvar.






ZEJIPE: Pia Maria Cabral, aquele anjo tá nos chamando com a mão. A hora é chegada.


MARIA CABRAL: É muita honra pra nós dois, subir aos céus com a mãe do Salvador.


ZEJIPE: Mais que revelação bonita, Maria. Aí sim que é prova de fé. O que tu ta procurando Maria?


MARIA CABRAL: O meu hibisco vermelho que perdi.


ZEJIPE: Igual a esse que está surgindo na sua cabeça?


MARIA CABRAL: Mas como?


ZEJIPE: Mistério!


MARIA CABRAL: Vamos que o anjo está chamando.


ZEJIPE: E nós vamos pela igreja, Maria?


MARIA CABRAL: José, a nossa igreja é a porta do céu.


ZEJIPE: Amém!






Juscio Marcelino de Oliveira
Macaíba (RN), 27 de junho de 2010
20:01

sábado, 24 de setembro de 2011




MINI TEXTO PARA TEATRO

“BOTICA DO CÃO”
   


PERSONAGENS:                        ATORES DA 1ª MONTAGEM
 Mariquinha                                     Liliane Alves
 Cão (disfarçado)                            Allan Shimith
 Cardinho                                        Edenildo Guedes


CARDINHO: Raiou o sol, se esconde a lua para presenciar mais uma das aventuras cozidas, pelos causos vindos da terra do tiquinho; um tiquinho daqui, um tiquinho de lá! Trazendo um santo milagreiro como escudo e o brasão do santo papa lacrando toda a sua devoção de um povo sofrido e cristão. Terra essa de uma gente castigada, mas otimista, perseverante e guardiões das virgens da purificação,  lavrando cada destino no caminho da religião. Vamos  nessa linda noite vivenciar uma pequena história nessa terra de minhas andanças, história essa tecida pela minha família e que tem como protagonista a minha tia Mariquinha, moça velha de caritó, mas uma beata de devoção, carola daquelas doentes que morrem de medo do cão. Um certo dia, como Jesus Cristo, ela também se encontrou com o tinhoso, foi atentada, escritinho o Salvador.  Se ela se salvou? Bem, vamos ver como tudo se passou!

 MARIQUINHA: Valei-me minha virgem Maria; Nossa Senhora da Conceição! Meu santo Expedito e o coração de Jesus menino e salvador, bento e santificado pelas cinco chagas da crucificação. Nosso Senhor todo poderoso me livra de todos os males assim como todas as  rezadeiras e benzedeiras daqui desse sertão. Viche, que hoje eu estou com o...

TODOS: (ocultos como sugestão) Com o cão!

MARIQUINHA: É a mãe! O cão é a mãe de vocês que não sabem dar educação, cambada! Se bem andam, elas devem estar fazendo outras misérias iguais a vocês! Seus infelizes das costas ocas, do estopo balaio na quinta feira santa! Judas! O filho do tinhoso é a mãe!.. Meu Jesus me martiriza com o espinheiro sagrado, me castiga nas ladeiras com um balaio de batata na cabeça, me joga Senhor nas paredes carrapichentas da lamentação, que eu lave todas as igrejas, catedrais e conventos, que eu separe todo o joio do trigo, que eu traga em caneca de alumínio todo o mar para o sertão,  mas se é uma coisa que eu não suporto mais é esse povo sem seu pai no coração, meu Jesus Cristo, me frechando que é uma danação. Arranca Senhor de mim essa aperreação.

CARDINHO: Bença tia?

MARIQUINHA: Cardinho!

CARDINHO: Quem fala sozinha ta falando com o cão, tia Botica.

MARIQUINHA: Cardinho!!

CARDINHO: Quer dizer; tia Mariquinha.

MARIQUINHA: Até tu Cardinho, sangue do meu sangue, alma da minha salvação, meu sobrinho preferido, até tu meu Cardinho sagrado?

CARDINHO: Sabe como é tia, o povo fala tanto que eu termino acostumado com esse nome. Desculpa.

MARIQUINHA: Quem? Eu quero nomes! Quem tanto nessa cidade me chama de... Você sabe de que, Cardinho? 

CARDINHO: Botica do cão, tia?

MARIQUINHA: Não precisa ta repetindo! Mas me diga meu sobrinho querido quem tanto me chama por este apelido horroroso para que eu possa processar, mandá-los para a cadeia, queimá-los na fogueira sagrada, me diga sobrinho da purificação.

CARDINHO: Pois tá ruim pra a senhora porque é toda a cidade. É mais fácil eu lhe dizer quem não diz.

MARIQUINHA: Ai meu Deus do céu, da terra e do mar, o que irei fazer meu pai todo poderoso? Socorre essa sua filha nesse momento de aflição, assim como socorresse Maria Madalena, tende piedade de sua filha amada e devota, fervorosa e ralada feita milho pra canjica na fé, me mostra uma saída meu pai! Estou clamando igual a Moisés! Me envie uma luz, um sinal!.. Nada? Não estás escutando Senhor? Quem irá me ajudar se não a vossa misericórdia? Quem irá me tirar dessa danação?

CÃO: Eu!

MARIQUINHA: Ai meu Deus... Que  calor me bateu agora, Senhor!...  Que negão!

CARDINHO: É nessa hora que a história da minha tia começa a virar folheto de cordel, de uma forma engraçada e jamais vista por esse sertão. Espia minha gente que grande tentação; a pobre da minha tia tão enfiada dentro das orações que esqueceu de se casar, pois homem ela só tinha contato com os meninos, o padre e o sacristão, nunca tinha visto um homem garboso feito esse negão. Os homens que ela conhece são os que eu já falei e os poucos velhos daqui da região. Tia mariquinha sempre foi uma beata prendada, muito dedicada e nunca deu um beijo ou um amassão. E só um inimigo declarado ela tem; o cão.

CÃO: (canta e dança sensualmente para Mariquinha).

CARDINHO: Muito desconfiado eu fiquei com esse negão; o perfume dele tem cheiro de enxofre e tudo o que é de moça desse lugar doidas para com ele namorar, mas os olhos dele não querem saber de outra virgem a não ser a minha tia Mariquinha que é mais conhecida por Botica e que é feia feita uma assombração.

MARIQUINHA: (Canta e dança hino religioso).

CÃO: Vim lá das profundezas dos cafundós só a rosa mais cheirosa encontrar, na cidade do sol nascente, onde mora a mais bonita donzela desse lugar, vestida de renda purificada, perfeita feito uma cinderela que se esconde nos afazeres da lida, mas resplandece como uma aurora ou uma flor em plena primavera. O meu destino me desafiou essa flor encontrar e aqui estou aos seus pés, a sua mão querendo beijar, me entregar de corpo inteiro e eme rainda da minha vida te transformar.

MARIQUINHA: Não sei o que comigo está acontecendo, mas não consigo em outra coisa pensar e os meus olhos estão hipnotizados por esse homem que está a me cortejar. Até os nomes dos Santos esqueci,  nada de reza eu sei pronunciar. 

CÃO: Você fez um pedido? 

MARIQUINHA: Sim, claro. Pedi a Deus uma ajuda...

CÃO: Ele não te atendeu, mas eu estou aqui, em forma de anjo para te salvar!

MARIQUINHA: Você falando assim, garboso negão, tá me deixando toda molinha. Aí,  meu Deus, o que fazer?

CÃO: Não bote esse homem no meio de nossa prosa.

MARIQUINHA: Quem, Deus?

 CÃO: Porque aqui eu to cumprindo a minha missão e eu não quero que ele atrase a consumação, pois estou aqui para conquistar o seu coração e logo ele devorar, ter você todinha pra mim, até a sua alma eu me apossar.

MARIQUINHA: Que calafrio, que mau agouro que agora vim sentir, é como se o tinhoso tivesse aqui por perto querendo me possuir. Todo o meu corpo está trêmulo feito o badalo do sino daqui, tô sentindo todo o meu corpo pegar fogo, feito fogueira de São João. 

CÃO: Vem beata linda, donzela da minha salvação, vem pra o colinho do papai fazer a última oração, vem confessar seus pecados, pois quero té dar o meu perdão.

CARDINHO: Aí tem um erro e eu não sei o que é, mas tenho que salvar a minha tia Mariquinha e já sei o que fazer! Ele sei que  não poderei vencer, mas a minha tia eu bem sei como resolver.

CÃO: Senta minha beatinha em meu colinho e deixa a tua boca a sua alma sugar.

MARIQUINHA: Safadinho!  Mal me conhece e já tá querendo me possuir. Vá com calma que o andor é de barro e essa aqui nunca vi um santo subir.

CARDINHO: Botica do cão!!!

MARIQUINHA: É a mãe!

CARDINHO: Ele desapareceu.

MARIQUINHA: Quem?

CARDINHO: Ninguém tia, deixa pra lá.

MARIQUINHA: Vou denunciar a sua  mãe a polícia,  ao padre, ao escambal, aos quatro canto do mundo pela mal criação. Me respeite Cardinho que eu ainda sou a sua tia. 

CARDINHO: Mais tia, mãe é sua irmã e a senhora não pode denunciar. 

MARIQUINHA: Pode ser quem for e principalmente a sua mãe por não ter dado os devidos corretivos educacionais em você. Eu te desconjuro Cardinho.

CARDINHO: E o que foi que eu fiz minha tia?

MARIQUINHA: Se arrependa Cardinho, se redima dos seus pecados ajoelhado ao pingo do meio dia sobre caroços de milho e só assim te aceitarei como um bom cristão.

CARDINHO: E eu pequei?

MARIQUINHA: Se ajoelha! Senhor, Deus pai todo poderoso, criador do céu e da terra, tende piedade desse pequeno pecador, desse inocente que acaba de começar a viver! Amém! Salve a alma dessa pequena criatura Senhor, sem eira nem beira...

CARDINHO: Espera lá tia, aí a senhora está apelando; posso não ser ninguém, não ter eira, mas as minhas beiras estão todas aqui.

MARIQUINHA: Não se entregue Cardinho! Resista! Não permita que o maldito tome posse do seu frágil corpinho meu sobrinho! Amém! Pelo poder de Deus pai; o espírito desse inocente não será tomado jamais pelo satanás!

CÃO: Me chamou?

MARIQUINHA: Que catinga danada de feijão queimado...

CÃO: Me chamou, linda donzela? Em pensamentos e palavras,  atos e omissões. 

MARIQUINHA: Meu pai me proteja, pois acredito que estou ouvindo a voz do desconjurado.

CÃO: O filho do tinhoso zambelê.

MARIQUINHA: Que nessa terra nada irá comer!

CÃO: Nem essa doce donzela? Estou atrás de você.

MARIQUINHA: Nem a... Negão! Que botico arregalado é esse?

CÃO: É para te ver melhor minha pura donzela.

MARIQUINHA: Que par de beiços é esse meu... Negão?

CÃO: É um sugador de almas minha tentação. Minha botica do cão.

MARIQUINHA: É a mãe!

CÃO: Nada poderá me impedir de sugar a sua alma e se tornarás para sempre a minha botica do cão! Você será a minha botica e eu sou a sua tentação! O cão!!!

CARDINHO: Tia Mariquinha se armou com um terço bento por Frei Damião e pôs uma mantilha preta das devotas da salvação e olhando compenetrada para o povo daquele lugar que estavam todos a observar pediu com toda fé ajuda para acabar com a sua maldição.


MARIQUINHA: Reconheço minha gente que servir a Deus é servir ao próximo e eu nada disso estava a fazer, ao contrário; trancada, só rezando, esquecendo-se do mundo e se achando a salva do lugar e sei que essa é a maior prova que Deus me enviou para que eu possa me transformar e ele mexeu com a minha maior fraqueza que é a enorme vontade de casar. Peço humildemente a todos que aqui estão que se armem comigo com a reza da salvação, eu aqui vou falando e vocês repetindo com toda fé e devoção.

CARDINHO: Antes da minha tia Mariquinha começar a orar, o tinhoso a sua roupa começou a tirar, utilizando as suas últimas armas para a alma da minha tia sugar.

MARIQUINHA: Fechem os olhos minha gente e não caiam nas armadilhas da tentação! Gritem bem forte o que aqui eu falar para esse infame nós expulsar: Sai!

CÃO: Arre! Dançei, pulei e nada. Cheguei a chamar esse tribufu aí de flor e esse é o pago de vocês?

MARIQUINHA: mais uma vez minha gente com mais força: Sai!      

CÃO: Ta bom! Eu já entendi bando de mal agradecidos. Ta aqui pra vocês!

CARDINHO: O povo derrotou o tinhoso do sertão e minha tia feliz foi agradecer a comunidade que unidos eles tem força para derrotar um batalhão e nesses agradecimentos a minha tinha encontrou um amor...

MARIQUINHA: (Com uma pessoa da plateia) Cardinho meu sobrinho amado, noivei e estou para casar com esse garboso rapaz que a minha mão ele insiste em desposar.

CARDINHO: Para a nossa pequena história terminar só está faltando o casal se beijar.

TODOS: Beija!!!


MACAÍBA(RN), 05 DE OUTUBRO DE 2000