AUTO
"UM ADRO AZUL PARA DEUS"
PERSONAGENS:
NARRADOR
ZEGIPE
MARIA CABRAL
PEDINTE
FILHO
FILHA
BIBI
CORAL DE CRIANÇAS
INVASOR 1
INVASOR 2
CHEFE DOS INVASORES
NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO
ZEJIPE: Céus! Vejam como a igreja é luz e anjos! Nunca em toda a minha vida eu tinha visto a matriz tão iluminada e enfeitada de anjinhos como agora. Tá linda! Louvado seja o nosso senhor Jesus cristo!
MARIA CABRAL: Para sempre seja louvado! O que tá acontecendo na matriz que ninguém me avisou? E já é natal?
ZEJIPE: Somos nós que estamos tendo uma visão celestial! Acho que tá chegando a nossa hora e Deus mandou nos buscar em sua carruagem de luz.
MARIZ CABRAL: Para tudo que eu quero descer!
ZEJIPE: É Deus, sua doida!
MARIA CABRAL: Eu sou Maria Cabral, muito prazer! Macaibense de nascença e banhada com as águas da raiz. Sou muito nova pra morrer. Se você tá querendo ir; adeus, mas eu ainda tenho muito para acontecer. Essa cidade ainda vai crescer muito, muitas coisas ainda irão acontecer, coisas que até Deus duvida e nada disso eu quero perder. Se você já está indo, entregando os pontos, então para tudo que eu quero descer!
ZEJIPE: E tu pensas que eu também vou por livre e espontânea vontade? Mas se ele ta chamando, nós não podemos fazer desfeita. Vamos embora com o rabinho entre as pernas e contando os pecados para prestar conta a São Pedro lá no portão celestial.
MARIA CABRAL: Tudo bem. Indignada mas eu vou, porém, antes eu tenho uma grande revelação a fazer.
ZEJIPE: Revelação? Numa hora dessas tu ainda quer fazer revelação? Quem és tu pra fazer alguma revelação e alguém se interessar? E deus tem muito mais o que fazer do que tá parando pra te escutar. Apressa o passo que o Homem é muito ocupado.
MARIA CABRAL: Ele espera que eu sei.
ZEJIPE: Maria, Num afronte o Homem! Desculpa meus anjinhos a Maria Cabral, pois ela não está dizendo por mal e deixa-a fazer essa revelação se for de importância para a sua salvação. Não levem essa doida em consideração.
NARRADOR: E naquele momento a igreja se fechou, guardando os anjos luzes e canções, deixando somente um foco de luz em uma pobre coitada que na calçada com os seus dois filhos mendigava.
ZEJIPE: Danou-se! Parece que Deus fechou as portas do céu em nossa cara? E nessa sua revelação, nós vamos ficar no escuro, é Maria Cabral?
MARIA CABRAL: E num é minha a revelação?
ZEJIPE: Deus vai nos castigar, Maria.
MARIA CABRAL: José, Deus é pai e não padrasto. Preste atenção que a minha revelação vai começar:
PEDINTE: Minha mãe misericordiosa, hoje me encontras aqui, na frente da nossa igreja, no mês da sua festa, rogando a vossa piedade e clemência, para essa mãe que vos fala, de uma mãe para outra mãe que já soube o que foi sofrer por seu filho, e nesse momento com o coração cheio de lágrimas, pedindo, implorando a vossa ajuda, que através de vossa intercessão toque no coração de um vivente dessa cidade para que tenha piedade não só de mim, mas dessas duas crianças frágeis e indefesas que não tem culpa de está aqui nesse mundo passando tanta fome, tanta privacidade. Bem sabes como sou doente e incapacitada de trabalhar e é por isso que aqui estou a pedir. Filha de Isabel, esposa de José, escolhida de Deus, é um coração de uma mãe desesperada que roga.
FILHO: Mãe tá vindo gente!
FILHA: Será que trazem alguma comida?
FILHO: São crianças cantando!
FILHA: Trazem comida?
BIBI: Se dividam em dois grupos crianças e vão para as suas posições! Rápido!
PEDINTE: Minha senhora tenha piedade dessas minhas crianças que desde ontem ainda não comeram nada.
ZEJIPE: Maria, você chegou a conhecer a Bibi? Quando ela chegou aqui em Macaíba, você nem existia mais.
MARIA CABRAL: E a revelação é de quem? De Maria Cabral que sou eu, que estou contando e misturo o tempo da forma que eu quiser.
BIBI: Meu nome é Emília, mas todos me conhecem por Bibi e sou catequista da igreja e irmã do padre da cidade. Moro ali, na casa paroquial e se a senhora aguardar um pouquinho enquanto ensaio com as crianças, iremos todos tomar uma deliciosa sopa lá em casa.
PEDINTE: Claro que esperamos bondosa senhora.
BIBI: Mais tarde nos encontraremos aqui, no adro da igreja. Fiquem com Deus.
ZEJIPE: Eu acho que vou deixar de engraxar e vou virar pedinte. É muito mais fácil.
MARIA CABRAL: Você é que pensa. Sobreviver é uma luta diária, principalmente para uma pedinte. Eles nunca sabem se vão comer amanhã.
ZEJIPE: Vê Maria Cabral, as pessoas estão passando e colocando moedinhas na Mao da senhora.
MARIA CABRAL: É a mão da Virgem ajudando aos seus. Ela não desampara ninguém.
ZEJIPE: Você tá é muito da sabida. Inté parece as beatas da igreja.
BIBI: Vamos crianças, corram pra casa que eu vou avisar ao padre!
PEDINTE: O que aconteceu, minha senhora?
BIBI: O mal se apossou da igreja e eu tenho que avisar ao padre! O tinhoso tá na casa do senhor!
PEDINTE: Mas minha senhora...
FILHA: E a sopa?
FILHO: E agora, o que iremos comer?
PEDINTE: Com o dinheinho que nos deram, vamos para os boinhos do mercado comer alguma coisa, mas antes vamos olhar o que na igreja aconteceu?
FILHA: deus nos livre mãe será que a senhora não escutou o que a dona saiu gritando?
É melhor a gente correr pra longe daqui.
PEDINTE: se tão com medo podem ficar aqui, pois eu to com deus e vou olhar com a proteção dele.
FILHA: Num fico só aqui nem a pau. Vou com a senhora também.
FILHO: E eu mais tigo, mana.
PEDINTE: Vamos nos benzer e entrar.
ZEJIPE: Vareite, Maria, que eu num to lembrado desse alvoroço na matriz, não senhora.
MARIA CABRAL: E nem podia, porque a gente já tinha morrido.
ZEJIPE: E como tu sabes disso tudo?
MARIA CABRAL: Só sei que eu sei.
ZEJIPE: E o que bexiga tinha dentro dessa igreja? Ave Maria, me desculpe minha Nossa Senhora pelo palavrão, mas é que eu to encafifado, doidinho pra saber o que aconteceu em vossa casa.
ZEJIPE: O sino tocando uma badalada! Será que é seu Adelino querendo avisar alguma coisa pra a cidade?
MARIA CABRAL: por que agora é ontem, quando tudo aconteceu.
ZEJIPE: Você agora me deixou todo atrapalhado.
MARIA CABRAL: A missa fazia tempo que já tinha terminado e a cidade era um silencio só. Todos os macaibenses dormiam o sono dos anjos, menos alguns arruaceiros, mau feitores, desordeiros que sorrateiramente invadiram a matriz pela janela da sacristia.
ZEJIPE: Pra rezar?
MARIA CABRAL: Meu bom José, como você é tolo.
ZEJIPE: Pode me chamar de Zé, Maria que já to acostumado e quanto ao tolo, num to entendendo.
MARIA CABRAL: Eles esperaram que a cidade dormisse para entrar na casa sagrada e fazerem a maior imundície, que nós seres devotos e respeitadores das leis de Deus não conseguimos nem imaginar.
ZEJIPE: Que safados! Se eu estivesse lá botava todos pra correr.
MARIA CABRAL: por erro do destino, nessa noite a pedinte e seus dois filhos estavam dormindo nos bandos da igreja.
ZEJIPE: Coitados! E os malfeitores pegaram eles?
MARIA CABRAL: Quando eles perceberam que eles estavam lá, a pedinte e os seus dois filhinhos já estavam na porta da igreja, prontos para fugir. Eles foram avançando pra cima deles e como um milagre, a pesada porta da igreja que estava fechada, sozinha se abriu.
ZEJIPE: E num é que abriu mesmo. Me arrepiei todinho.
PEDINTE: Pelo o amor de Deus, por favor, não nos faca mal! Só estávamos dormindo porque não tínhamos para onde ir.
FILHA: Meu Deus, mãinha, tá saindo deles por tudo o que é lado.
FILHO: Inté parece um bando de formiga. Espia, mãe que inté lá de cima vem saindo deles.
FILHA: Eu nunca vi, mas parece um bando de demônios.
PEDINTE: Por favor, não façam mal aos meus filhinhos, eles são inocentes! Meu zeloso guardador, se a ti me confiou à piedade divina, sempre nos rege, nos guarde e conserve, amem.
FILHO: Com Deus me deito e com Deus me levanto a piedosa graça de Deus e do divino Espírito Santo.
FILHO: Jesus, Maria e José, nossa alma vossa é.
ZEJIPE: Nunca vi a frente da igreja tão feia assim. Como é que homens, filhos do mesmo Deus, se transformam dessa maneira?
MARIA CABRAL: É porque eles não reconhecem Deus como o nosso único pai.
ZEJIPE: Olhe como eles dançam festivamente, Maria.
MARIA CABRAL: estou vendo José.
ZEJIPE: E você com essa sua inteligência, porque não faz alguma coisa por essa pobre família?
MARIA CABRAL: Tudo há seu tempo.
ZEJIPE: E vamos ficar de braços cruzados vendo esses monstros atacarem essa indefesa família?
MARIA CABRAL: Tudo há seu tempo.
INVASOR 1:Todos vocês quietos! Bando de arruaceiros vitoriosos!
INVASOR 2: Pergunto a todos vocês; quem manda nessa cidade?
TODOS INVASORES: Nós!
INVASOR 1: Não escutei!
TODOS INVASORES: Nós!!
INVASOR 1: Essa invasora em nosso meio, que irá nos deletar para essa falsa sociedade! Que irá nos entregar reconhecendo um a um para o delegado de nossa cidade.
INVASOR 2: Quem manda ela está no lugar errado e na hora errada? Quem manda esbarrar conosco? Quem manda ser miserável a ponto de não ter onde morar? Somos nós os culpados dela está aí dentro?
INVASOR 1: O que estamos esperando para realizar o seu julgamento?
TODOS: O nosso chefe!
INVASOR 2: Não escutei! Quem estamos esperando?
TODOS: O nosso chefe!
CHEFE DOS INVASORES: Sou eu!
INVASOR 1: O senhor tá comendo as bolachinhas brancas do padre, chefinho?
CHEFE DOS INVASORES: E o vinho dele também!
PEDINTE: Minha santa mãe de Deus!
CHEFE DOS INVASORES: É com ela que eu quero falar mesmo! Onde ela está? Onde se esconde que não estou vendo? Porque essa que você diz que é a toda poderosa não vem lhe salvar agora? Cadê a cara dela que eu não estou vendo? Segurem essa miserável pelos cabelos e arraste-a ate a porta dessa casa! Agora!.. Bata na porta e chame por ela agora sua miserável! Peça! Implore pra ela vim lhe salvar!.. Se adorar a mim daqui você sairá salva, mas se continuar a chamar e adorar quem não existe eu arrancarei a sua cabeça e desses seus dois fedelhos. Diga que me adora sua miserável!
FILHO: Pelo bem que a senhora quer a gente, mãezinha, diga logo pra que ele não nos mate! Por favor!
FILHA: Pelo o amor de Deus mãezinha, nos salve!
CHEFE DOS INVASORES: Pelo o amor de quem, sua fedelha? Pela minha piedade! A lei aqui nessa cidade sou eu! Estou marcando território primeiro aqui e depois todos os recantos dessa cidade! Eu sou deus!!!
INVASOR 1: Se ajoelhe sua miserável e adore o nosso deus!
PEDINTE: Deus só existe um, que é o Deus de Israel, de Abraão e de Isaac, que é o Deus que salva, que perdoa e que ama. Meu Deus é com D maiúsculo, é o Deus que envia o seu exemplo de filho para redimir todos os pecados da humanidade. O seu deus não será jamais o meu, mas o meu deus será um dia o seu em honra e glória. Se me matarem é porque chegou o meu dia e minha hora e eu irei feliz servir ao Senhor, mas sei que a minha protetora a virgem Maria, a concebida sem pecados não permitirá que dois inocentes fiquem órfãos e a perambular por esse mundo tão perigoso!
FILHA: Solta a minha mãe!
PEDINTE: Fujam meus filhos! Se salvem!
CHEFE DOS INVASORES: Cadê ela que não vem te salvar agora!
PEDINTE: Valei-me minha Virgem Santíssima! Minha Nossa Senhora da Conceição!
INVASOR 2: Chefe! Olha que clarão no céu!
FILHA: Vários anjos estão vindo do céu, mãezinha cantando em louvor! Glória a Deus!
MARIA CABRAL: Quando os desordeiros viram que a coisa ia esquentar para o lado deles, quiseram fugir, mas 20 policiais armados cercaram todo o bando.
ZEJIPE: Espera lá, Maria Cabral! Se a delegacia de Macaíba só tinha o delegado e três soldados, como é que de um nada você me aparece com 20? Essa historia está mal contada!
MARIA CABRAL: São os mistérios da multiplicação.
ZEJIPE: Ah!
MARIA CABRAL: E no desenrolar da historia, aconteceu a conversão, e todos os malvados conheceram em seus corações.
FILHO: Olha mãe aquela nuvem iluminada, nela tem uma santa! Que coisa linda meu Deus!
PEDINTE: louvado seja o nosso Deus Pai todo poderoso e Nossa Senhora da Conceição!
FILHA: É Nossa Senhora da Conceição!
- APARECE A VIRGEM MARIA EM TODO O SEU ESPLENDOR, SE CANTA O HINO DA PADROEIRA DA CIDADE E NO TERMINO DO HINO UM ANJO COROA A VIRGEM.
NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO: Que essa coroação sirva de aliança com o povo dessa cidade e a certeza que a fé remove qualquer empecilho de vossas vidas. Louvado seja o Nosso Senhor Jesus Cristo, meu único filho, aquele que Deus enviou para nos salvar.
ZEJIPE: Pia Maria Cabral, aquele anjo tá nos chamando com a mão. A hora é chegada.
MARIA CABRAL: É muita honra pra nós dois, subir aos céus com a mãe do Salvador.
ZEJIPE: Mais que revelação bonita, Maria. Aí sim que é prova de fé. O que tu ta procurando Maria?
MARIA CABRAL: O meu hibisco vermelho que perdi.
ZEJIPE: Igual a esse que está surgindo na sua cabeça?
MARIA CABRAL: Mas como?
ZEJIPE: Mistério!
MARIA CABRAL: Vamos que o anjo está chamando.
ZEJIPE: E nós vamos pela igreja, Maria?
MARIA CABRAL: José, a nossa igreja é a porta do céu.
ZEJIPE: Amém!
Juscio Marcelino de Oliveira
Macaíba (RN), 27 de junho de 2010
20:01