“Capar o gato”
Componentes:
Fábio
Maria
Tonho
Fifia
FÁBIO: O meu pai quando vivo que Deus o tenha em um bom lugar, era vaqueiro de uma fazenda chamada Milharada. Hoje essa dita fazenda se transformou em uma comunidade de São Gonçalo, cidade que faz parte da grande Natal. Sem perder o foco da prosa, nessa dita fazenda existia um agrônomo que gavava muito o meu pai como um excelente profissional e daí, quando nasceu o primeiro rebento do meu pai, que sou eu, ele fez uma homenagem ao amigo agrônomo colocando o nome dele. E quem ia me visitar recém nascido a minha mãe estufava o peito e dizia que eu tinha nome de gente importante, letrado e que se Deus quisesse eu ia ser igual; um doutor. Pois aqui estou; doutor Fábio da Silva!
MARIA: E que mau eu lhe pergunte, e o moço não venha se encafifar; o senhor é doutor de que?
TONHO: Pelos trajes, ele deve ser doutor de curar frieira, carrapato, bicheira, tosse de burro mulo, maleita, olhado, tizica, ventre caído...
FIFIA: E da tua besteira, seu cabra grosso! Será que tu num ta vendo que com esse charme todo que ele tem, só deve ser doutor dos galanteios das coisas especiais, que deixa qualquer donzela, assim como eu, toda molinha, de perna bamba, e com os boticos dos olhos todos reviradinhos. Ai, doutor, o senhor me deixou toda, toda.
MARIA: Tome tento, dona Fia, antes que esses seus boticos não ficarem pustemados com uma catembada que eu lhe der no meio do seu quengo! Tas vendo carrapato com tosse é? Passe pra a louça e não me tire mais a terreiro que hoje num to pra brincadeira.
FIFIA: Mas mãe!
MARIA: Passe, sua cabrita!
CHICO: O senhor é estudado de verdade ou ta com enrolação pra cima de nós que somos da roça?
TONHO: Não somo letrado, mas braço forte nós temo pra te botar dos quintos dos infernos pra dentro se tiver zoando com a nossa cara.
MARIA: Calma, homem, também num precisa de tanta grosseria com o moço.
FIFIA: Muito bem, mãe!
MARIA: Calada!
FIFIA: Ai! Não posso nem falar? Mas que ele é um gato, isso ele é!
MARIA: Fifia!
CHICO: Tu ta se bandeando pro lado desse cabrito aí, é Maria? Ta igual a nossa fia?
FIFIA: E a quem o senhor acha que eu puxei painho?
MARIA: Deixe de suas franganhagens e continue calada na sua louça.
TONHO: Mas, afinal de contas, que tipo de doutor o senhor é?
FIFIA: To sentindo uma pontadinha bem aqui, pertinho do meu coração. Dá uma olhada aqui, doutor. To ficando toda, toda.
TONHO: Se enxerge Fia. E agora o seu coração passou pro lado direito foi, sua cabrita?
CHICO: Quando eu lhe quebrar a cara, junto a sua com a da sua mãe.
MARIA: Agora pronto! Vai sobrar pra mim é, Chico? Será que tudo de ruim que acontece nessa casa a culpada sou eu?
CHICO: E vai ser quem, Maria? Porventura sou eu o responsável pelo desmantelo dessa menina? Logo eu que passo o dia trabalhando, dando um duro danado pra trazer o sustento pra dentro de casa e você ainda tem a coragem de botar queixo duro pra cima de mim? Agora vai me afrontar, é Maria?
MARIA: E tu acha que fico de perna pro ar, arejando o seu parque de diversão e deixo o mundo a minha volta se acabar é Chico? Tas variando, é homem?
FIFIA: Chega! Chega de tanta briga meu Deus! Vocês me envergonham na frente do doutor Fabinho. Meu Deus, a tontura da decepção está chegando a todo o meu corpo, deixando as minhas pernas molinhas, me deixando meia toda, toda e acho que vou desmaiar...
MARIA: Ta vendo Chico o que você fez a nossa fia! Segura ela, homem! Será que tu num ta vendo que a bichinha vai cair!
FIFIA: Não! O senhor, não. Será que não ta vendo que é por causa do senhor que estou ficando assim.
CHICO: Eu que sou o culpado?
TONHO: Deixa Chico que eu seguro a sua fia.
FIFIA: Sai! Vá pra longe de mim! Se encostar um dedo sequer eu te denuncio ao conselho tutelar. Sai!
TONHO: Pisa sua ingrata. Eu só tava querendo ajudar.
MARIA: Mas fia, a mãe sofre de gota e não pode com você. Quem irá te segurar meu Deus?
FIFIA: Só sobrou o doutor. Ai, doutor, já to ficando toda, toda.
FÁBIO: E porque a moça não caminha até a cadeira e desmaia sentada?
FIFIA: Qualé, doutor, num gosta de mulher, não?!
FÁBIO: E o que é que tem a ver uma coisa com a outra?
TONHO: Um doutor frutinha? Vi tudo. Vamo gente botar o santo pra subir que o despacho num prestou.
FÁBIO: Não é isso. Gosto muito de mulher, mas é que...
MARIA: Tu ta rejeitando a nossa fia, seu cabra?
CHICO: Fala logo que tu num gosta de mulher, seu mulo!
TONHO: Os cabras mulo aqui da redondeza nós capa tudo!
FÁBIO: Calma pessoal!
MARIA: Num chora, fia!
FIFIA: Ele ta me traumatizando, mãe! To ficando meio doidinha com esse desprezo, esse descaso. Arranjem um advogado pra eu processar esse doutor.
TONHO: E isso é doença, fia?
CHICO: Que doença, mulher, a nossa fia ta querendo um advogado pra lascar de ponta a ponta esse doutorzinho de meia pataca.
FIFIA: É. Quer dizer, eu acho que é.
MARIA: Pois obrigue ele tratar da nossa fia agora, Chico! Num é doutor, entonse, que cuide da pobrezinha que ta trau num sei o que. Agora!
FÁBIO: Mas eu não sou médico!
TONHO: Num é médico?
CHICO: É num era doutô, e agora já é médico?
TONHO:Pelo que tô vendo ele não é nada!
CHICO: Num passa de um pé rapado iguá a nosso povo, é Tonho?
MARIA:Que derrota meu Deus! Minha fia, a bichinha doida pra sarar e esse burro mulo nem pra relinchar presta! Que desgosto! Que tristeza no meu coração!
FIFIA: Ai! To mais traumatizada, ainda. Acho que vou morrer por causa disso! Já to ficando toda, toda.
CHICO: Homem nenhum vai matar a nossa fia desse jeito!
TONHO: Antes eu o capo!
MARIA: E com o trocinho que o Tonho arrancar eu faço um escaldadinho e dou pro gato comer.
TONHO: E eu capo mermo!
FÁBIO: Auto lá!
CHICO: Auto lá o que seu cabra safado...
MARIA: Seu mecretefe!
CHICO: A nossa menina moça quase morrendo. ..
MARIA: Quase desmaiada...
TONHO: E eu amolando a faça.
FÁBIO: Ela vai desmaiar ou morrer?
MARIA: Sim, fia?
CHICO: É o moço tem razão. Qual vai ser primeiro?
FIFIA: Claro que primeiro eu desmaio, torno e se realmente com o bonitão, então um tempo depois eu morro.
CHICO: Pronto, ta explicado.
TONHO: E tu inda diz que num é doutor!
MARIA: E aí, seu titica, casa ou num casa?
FÁBIO: Casar?
FIFIA: Mãe! A senhora tá estragando tudo!
FÁBIO: Espere aí, dona.
FIFIA: Fedeu.
FÁBIO: Toda essa confusão começou por questionar se eu era ou não doutor, médico ou sei lá das quantas e não me deixavam falar até iniciarem com essa cena patética de desmaio e vem à senhora com essa de casar. Ou eu to entendendo errado ou vocês querem me dar um golpe; casando-me com essa daí.
FIFIA: Papai! Ele ta me ofendendo.
MARIA: Num chora, fia.
CHICO: O que é que o cabrinha ta querendo dizer com isso? Será que tu num tá vendo o tamanho do estrago que tu fez na vida da minha fia?
MARIA: E na nossa também, né Chico? Preste atenção nesse detalhe, nesse agravamento familiar.
TONHO: E eu só aqui na manha amolada faça, só esperando a hora de capar bandido.
FIFIA: Vou desmaiar! Ai!
MARIA: Pare de afranganhagem que o teu pai vai resolver de outro modo.
TONHO: Se o teu pai não resolver do modo dele, Fifia, eu resolvo do meu.
MARIA: Amole a pecheira, Tonho que pelo que tô vendo hoje tem mistura pra o pichano.
TONHO: Deixe comigo, dona Maria! Tô só amolando a bichinha, chega tá reluzindo.
FÁBIO: O que eu estou dizendo é que vocês estão querendo dar um belo de um golpe, e isso está claro até demais.
CHICO: O que é que você ta dizendo, seu cabritinho dos quintos dos infernos? Repita!
TONHO: Eu capo agora, dona Maria?
MARIA: Deixa de ser frouxo, Chico! Resolva logo de uma vez! Tu tá vendo o Tonho aqui se lambendo pra capar esse cabra!
TONHO: Só na espreita, viu seu Chico! É só falar!
FIFIA: É por isso que num quero desposar o Tonho, mãe.
FÁBIO:Vocês estão provocando uma tremenda confusão ao ponto de me deixar tão enrolado que quando eu prestar atenção, já estarei amarrado pelo juiz e pelo padre. Pensam que eu sou besta, é? Pra cima de mim não. Quando vocês vinham com os cajus eu já assava as castanhas. Das três uma; ou vocês são loucos, ou é uma pegadinha ou eu estou dormindo e tendo um dos piores pesadelos.
TONHO: Chico...
CHICO: Sai de perto de mim, seu agouro dos infernos! Diacho
FÁBIO: E vocês que ficam, passem muito bem que já me demorei por demais por aqui.
CHICO: Você pensa que aqui num tem homem macho, não, é seu cabrito?
FÁBIO: E eu duvidei disso?
CHICO: E tu pensas que nós por ser pobre num sabe das leis, é?
MARIA: Se pensa assim, pois tas muito enganado.
FLÁVIO: Eu não encostei um dedo na sua filha. Assim, eu não lhe devo nada.
CHICO: Ri aí por mim, Maria, pra eu num estragar a minha brabeza. Tu num deflorou, mas colocou uma dúvida a nossa moral, honestidade e dignidade.
FIFIA: E a minha virgindade e depressão, pai! Vou ficar falada, é?
TONHO: Rasga!
MARIA: Parece que tá dando certo?
FIFIA: Corre Tonho e chama o padre Pedro. Vai, homem!
FLÁVIO: Para Tonho.
TONHO: Cume, Chico? Vou ou fico?
CHICO: E tu ia pra onde, Tonho, se não tem mais ninguém pra entrar na história?
TONHO: Pensei na cozinheira. Ia lá chamar ela. Vou?
MARIA: Chata do jeito que ela é. Nunca que viria.
TONHO: Então vamos parar doutora?
FLÁVIO: Doutora?
FIFIA: Eu tava achando tão boa a terapia de hoje.
FLÁVIO: Terapia? Mas o que significa isso!
CHICO: Quer dizer que o moço não sabia que aqui é uma clinica de tratar pacientes com distúrbios mentais?
FLÁVIO: Claro que sim, mas é que eu estou acompanhando um amigo para uma consulta e me mandaram esperá-lo aqui... Então...
MARIA: Isso mesmo, Flávio, essa terapia foi para você.
FLÁVIO: Pra mim? Porque pra mim?
MARIA: O problema do seu amigo é o relacionamento dele com a noiva e o seu é o de ta interferindo no problema dele. Causa e efeito.
FLÁVIO: Sim. Quer dizer que... Agora ficou tudo muito claro pra mim.
MARIA: O seu amigo realmente está muito confuso, criando problemas aonde não tem e você contribui muito para isso. É o melhor amigo dele, mas para tudo existem limites e você sufoca o seu amigo.
FLÁVIO: Realmente. Agora é que posso compreender. Em vez de ajudar, eu confundia a cabeça dele mais ainda. Ele não tem família e é como se fosse um irmão pra mim.
CHICO: E toda essa pressão que aconteceu aqui com você. ..
FLÁVIO: É o que eu faço com ele. Caramba, ficou tudo muito claro agora.
MARIA: Meu nome é Maria das Neves e sou psiquiatra.
CHICO: Sou o arte terapeuta. Clara.
TONHO: Farmacêutico. Rodrigues.
FIFIA: Eu realmente sou uma paciente e Fifia é mesmola o meu nome.
FLÁVIO: Muito prazer.
MARIA: Agora vamos conhecer a psicóloga. Ela é quem vai orientá-lo.
FLÁVIO: Valeu gente! Poxa, vocês realmente são artistas. Convenceram-me de verdade. Estão se perdendo aqui. Muito bom mesmo!
MARIA: Vamos, Flávio.
FLÁVIO: Vamos doutora. Até mais, pessoal!
FIFIA: Ele é um gatinho.
CHICO: Menos Fifia. Vamos pessoal para a nossa segunda terapia. Os pacientes já estão esperando na sala dois.
FIFIA: Adoro pintar!
CHICO: Então vamos!
Juscio Marcelino
12 de agosto de 2009
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