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quarta-feira, 30 de junho de 2010



MINI TEXTO PARA TEATRO




              “Perfumando a sua historia”                  

Dedicado a Dudal e Djalma, duas figuras macaibenses que se tornaram ícones no seu tempo.



PERSONAGENS






CONTADOR


JAQUELINE


CIDA










CONTADOR: É com muita alegria, daquelas alegrias reluzentes que eu vou falar de dois cabras machos e valentes que nessa cidade implantou o ta do diferente. Quebraram todas as normas e lei num tinha valia, eram como se nadassem contra uma forte correnteza. Nessa cidade Cuma em tudo o que é lugar, as regras são pra ser cumpridas e desobediência nesse meio de mundo não tem lugar. Lei é pra ser cumprida e ai daquele que desafiar. Quando o sol quilariava os dois se recolhiam, mas quando a lua despontava com todo o seu esplendor os dois apareciam quebrando a rotina dessa cidade dormitório que de novidade já se fazia séculos que não se aparecia. Isso era na época que o pax club, lugar de diversão bom de se danar, regulava toda a cidade, classificando o povo sociar, dizendo quem era e quem não era, comandado por uma rosinha do lugar. Mas deixando de trololó, voltando à prosa iniciar, continuando a falar dos dois caboclos que lá na Rua da Esperança viviam a morar.


JAQUELINE: Para tudo! O senhor falou Rua da Esperança?! Já não quero saber mais. Chega pra mim!


CIDA: O que foi minha amiga?


JAQUELINE: Você sabe que a Rua do Cruzeiro é a rua da fofoca, a Rua do Vintém é a rua da catinga e a Rua da Esperança vocês sabem muito bem do que é. E vamos mudar o rumo dessa conversa para falar de coisas mais interessantes; como perfume charisma, calças bocas de sino, sapatos cavalo de aço que é o top da moda e os garotões lindos da escola agrícola de Jundiaí. Ai! É tudo de bom! Não vejo à hora chegar domingo para euzinha ir à matinê do clube. E você com certeza irá comigo não é Aparecida?

CIDA: Não sei Jaqueline, e pode me chamar de Cida que eu gosto.


JAQUELINE: E eu detesto apelido, não suporto e vamos parar com essa história de Cida, Cidinha e Cidoca. Conhece aquela que diz assim; todo Francisco é Chico e todo Chico é macaco? Detesto! Imagine meu pai que se chama Francisco, então eu tenho que ser a macaca Chita? Jamais, em toda a sua vida, enquanto vida você tiver não pronuncie um apelido sequer, por favor.


CONTADOR: Quer dizer que a mocinha não quer que eu continue contando a historia?


JAQUELINE: Pra início de conversa eu não sou a mocinha, eu não sou a baixinha e também não sou a loirinha ou qualquer outro adjetivo, porque eu fui registrada e tenho nome e sobrenome.


CIDA: O que é isso Jaqueline?


JAQUELINE: O meu nome é Jaqueline e o meu sobrenome é Alcântara de Albuquerque Bisneta. Quanto ao meu sobrenome, o senhor já percebeu que sou de uma linhagem política desse município que com certeza eu serei a futura representante.


CONTADOR: E a senhorita Jaqueline pensa em ser política com essa impetulância toda?


JAQUELINE: Bobinho. O dinheiro paga tudo. Porque será que o senhor vota na minha família até hoje? Difícil a resposta? Claro que não. Pois fale com emoção e gratidão o porquê o senhor vota em minha família.


CONTADOR: Voto porque o seu avô é um homem santo, bom demais pra mim e minha família. Os favores que devo a ele nem ralado no cimento carrapichento eu pagarei.


JAQUELINE: se o meu avô mandar o senhor votar em qualquer pessoa o senhor vota?


CONTADOR: De olho fechado e num precisa nem ver a cara do sujeito que ele mandou votar. Uma ordem dele é lei pra mim.


JAQUELINE: Olhe aí o que eu disse. Pois se considere votando em mim para prefeita. Serei a mais jovem prefeita eleita nesse estado.


CIDA: Estou besta com a aula que acabei de assistir. A força que o dinheiro tem e a força do poder político.


JAQUELINE: Anote aí, Aparecida o que tanto dinheiro pode comprar; comece com a consciência, depois perfumes e segue comprando caráter e de quebra vem à moral e mais perfumes e sapatos e mais perfumes que amo de paixão. Olha Aparecida ao que vou dizer a você agora que é muito sério; perfume é fundamental na vida de qualquer mulher. Aprenda comigo. Sem perfume estou nua, não sei dar um passo sem me perfumar e olha que perfume e poder é uma tradição familiar, que está em todas as nossas gerações, quase incorporado em nosso DNA. Vôinho não é cheiroso, seu contador?


CONTADOR: E eu vou lá saber se o seu avô cheira ou não menina.


CIDA: O que é isso, Jaqueline?


JAQUELINE: Isso é lá pergunta que se faça pra um homem?


CONTADOR: Eu passaria o dia todo escutando você falar, mas como eu tenho muito que fazer e você já me dispensou, condenando o que eu tinha que contar antes mesmo da história ser apresentada por inteiro, então, vou até a sua mãe que me contratou pra agradecer e ir embora.


JAQUELINE: Não precisa ir dizer a mamãe porque ela está muito ocupada e tenho a absoluta certeza que ela não irá lhe atender.


CONTADOR: Mesmo assim, futura prefeita, eu vou lá. Passem bem e fiquem com Deus.


JAQUELINE: Espere. Se a mamãe pagou mesmo, então vamos escutar.


CIDA: E a cabeleireira que você marcou?


JAQUELINE: Aparecida minha amiga, você sabe muito bem que quaisquer uns dos dois salões dessa cidade vivem de portas abertas para Jaqueline Bisneta? Tanto Dorinha quanto Licinha me recebem a hora que eu marcar. Então, pare de questionamentos tolos.


CONTADOR: Quer dizer que eu posso contar? É isso?


JAQUELINE: fazer o que. Pode continuar a história desses dois matutos que moraram nessa cidade, não é mesmo?


CONTADOR: Que eles moraram nessa cidade isso é verdade, mas matutos, isso não. Na real, eles eram duas florzinhas.


CIDA: Cruz credo. E não eram dois machões? É verdade que é a mulher do capeta que rouba a alma do homem ainda criança inocente e se apodera do corpo das criancinhas inocentes. Meu santíssimo tenha piedade de todas as criancinhas que nascem na minha família.


JAQUELINE: Terminou, Aparecida? Menina você ta uma beata de carteirinha. E quanto ao senhor, porque não me disse logo que é sobre homem mulher? Eu morro de curiosidade. Nunca vi um mais morro de vontade de conhecer.


CIDA: E o filho do carteiro que a mulher do capeta se apoderou e deixou o menino brincando com bonecas.


JAQUELINE: Mas esse não conta. Deram uma surra de cipó de brocha no garoto e mandaram pra um seminário e de lá nunca mais saiu. Eu quero conhecer esses que dizem existir por aí.


CIDA: Até um tempo desses queimaram gente assim na fogueira pra poder acabar com a mulher do satanás e todos os homens neninos se banhavam com água benta, trancados na igreja em oração pra não serem possuídos.


JAQUELINE: Vou dizer uma coisa; se o senhor deixar, a beata Aparecida contará mais historias que o senhor. Para Aparecida! Agora silencio para o contador começar.


CONTADOR: Um era debochado, daqueles que não leva desaforo pra casa, enquanto o outro era sério, magro, alto e não dava pra conferir o que o povo dizia com eles.


JAQUELINE: Não arreda o pé, Aparecida. Ora que besteira essa sua. Será que essa sua religião não ensina o que é respeito humano, menina. Ou na realidade é você que é muito preconceituosa?


CIDA: Não consigo admitir em um homem querer ser mulher. Se eles soubessem a agonia quando aquilo chega todos os meses, fora a dor do parto, criar filhos, cuidar de marido e da casa.


JAQUELINE: Você está querendo dizer que ser mulher é a pior coisa que existe, é isso, Aparecida, ou estou entendendo mal?


CIDA: Não é bem isso.


JAQUELINE: Então você quer dizer que ser mulher é ser escrava do homem, não é isso?


CIDA: Não, porque essa é nossa obrigação. Deus nos mandou para esse mundo para isso mesmo.


JAQUELINE: Esse seu deus, sei não.


CONTADOR: Eles dois são os precursores da década de setenta, período esse que ser delicado era coisa para outro mundo.


CIDA: Vala-nos Deus!


CONTADOR: Então, como disse a Jaqueline; foi na Rua da esperança.


JAQUELINE: A famosa Rua da Esperança.


CONTADOR: Eles só poderiam colocar em pratica suas atividades prazerosas em esconderijos e pra eles dois, e o único lugar onde eles sentiam o gosto da liberdade era o gango da cidade, que na realidade era uma ilha no centro da cidade.


CIDA: Queimam senhor, todos que estão naquele lugar! Queima!


JAQUELINE: Pois o primeiro contato é o seu pai, Aparecida, que sua mãe com raiva do seu pai diz que ele não sai de dentro do gango.


CONTADOR: Eles pra irem ao gango teriam que cruzar toda a cidade.


CIDA: O gango é a morada do capeta.


JAQUELINE: É verdade que seu contador que lá no gango as mulheres andam só de roupa intima e os homens vivem a relinchar?


CIDA: Cruz credo, senhor!


CONTADOR: O que sei é que todas as tardinhas quando eles dois se dirigiam para o gango, eles eram insultados e apedrejados pela população. Já fazia parte da diversão dos que moravam no trajeto dos dois.


CIDA: Igual à Maria Madalena, a prostituta da Bíblia.


JAQUELINE: E que Jesus a perdôo e perguntou a multidão qual deles não tinham pecado e o que não tivesse que atirasse a primeira pedra.


CIDA: Meu deus. É mesmo.


CONTADOR: E é por isso que iniciei esse texto afirmando que eles eram macho sim senhor. É o cabra ser muito homem pra enfrentar toda uma cidade cheia de moral e maus costumes. Enfrentar um bando de gente que vendem uma imagem de santos e na realidade é todos muito dos pecadores.


CIDA: Mas na hora do julgamento divino não tem como se esconder. Deus vê tudo!


JAQUELINE: Eu é que não agüento mais esse atraso de cidade. Não vejo a hora de me tornar prefeita e transformar essa cidade uma referencia tecnológica.


CIDA: O que?


CONTADOR: Transformar em o que?


JAQUELINE: Uma cidade futurista. A prefeita mais jovem desse país trás o futuro para a sua cidade através da tecnologia.


CIDA: Tec o que, Jaqueline?


CONTADOR: Essa menina dar um banho em criatividade. Que mente fértil.


JAQUELINE: Como eu queria ver um televisor, imagem preto e branco, poder sentir o volume e ver as imagens como se tudo realmente acontecesse ali. Não precisar utilizar cartas para qualquer tipo de comunicação. Existiria o telefone sem fio que em qualquer parte do mundo e em qualquer lugar você se comunicaria com os seus. E o computador, internet, pen drive… Aí!!!!


CIDA: Desculpe amiga, mas foi necessário. Você estava surtando, dizendo umas coisas que nós não estávamos entendendo.


CONTADOR: Caramba. Essa foi demais prefeita. Imagino realmente como ficará essa cidade em sua administração. Até o nome acredito que você mudará.


JAQUELINE: Tenha certeza disso. Desculpem-me. Sempre sonho com uma cidade melhor e dessa vez me empolguei até demais.


CONTADOR: Quem já se viu se falar num aparelho sem fio, televisor e todas essas coisas que você saiu falando sem parar.


CIDA: Vamos voltar para a historia! E aí, seu contador, que rumo deu na vida deles dois? Morreram?


JAQUELINE: Aparecida!


CONTADOR: O mais alto dos dois ainda vive, mas o outro morreu muito jovem. Dizem que foi de doenças do mundo.


JAQUELINE: Se existissem modernos postos de saúde, onde os chamarei de PSFs e preservativos que vulgarmente serão conhecidos por preservativos, ele estaria ainda vivinho.


CIDA: Acho melhor o senhor colocar um fim nessa historia porque a minha amiga Jaqueline ainda não está recuperada do surto que teve.


JAQUELINE: Gente, eu não estou inventando nada.


CONTADOR: E nessa cidade de historias onde se mistura todas as tradições, se resgatando o tempo, aquele que não volta mais, e visando um futuro, aquele que nos satisfaz. Eu prefiro o presente que é o que eu vivo e contando historia eu sobrevivo, tirando o meu ganha pão e nisso eu sou capaz!


CIDA: Vamos jantar Jaqueline que já estou com fome.


CONTADOR: para prefeita, Jaqueline, aquela que irá perfumar a sua historia!


Juscio


Sábado, 15 de agosto de 2009.

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